domingo, 30 de novembro de 2008

Sinfonia do desamparo

Zero Hora / Data: 15/10/2008Sinfonia do desamparo, por Carlos André Moreira
Um dos grandes contistas do Estado, Altair Martins estréia no romance
Carlos André Moreira
Chove a cântaros quando o padeiro Adorno estaciona a Kombi velha na qual faz as entregas à frente de uma padaria onde vai deixar um lote de pãezinhos.
No meio do vendaval, não vê nem é visto por um carro que entra na mesma rua no exato momento em que ele tenta atravessá-la
O acidente na chuva é um dos pontos-chave da narrativa de
A Parede no Escuro, primeiro romance do escritor Altair Martins, 33 anos, até aqui conhecido pela originalidade e pelo cuidado com a linguagem em seus contos, nos livros Se Choverem Pássaros, Dentro do Olho Dentro e Como se Moesse Ferro – um cuidado que lhe fez valeu duas vezes o prêmio Guimarães Rosa, organizado pela Rádio France Internationale, em 1994 e 1999. A Parede no Escuro é narrado por uma profusão de narradores que se cruzam no mesmo capítulo e às vezes na mesma cena.
– Nesse livro eu me propus um desafio: buscar a possibilidade de colocar mais de um narrador no mesmo espaço narrativo em cena sem quebra. Tive alguns contos anteriores nos quais experimentei coisas assim, mas no romance em particular eu queria trabalhar na forma a idéia central do tema, a de as pessoas invadindo abruptamente o espaço e o discurso umas das outras – conta o autor, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS em 2006 com uma dissertação na qual defendia os procedimentos narrativos de seu primeiro romance, na época provisoriamente chamado de Desencanto.
A Parede no Escuro levou sete anos para ser escrito, em parte devido à dificuldade do autor em encontrar a voz narrativa que desejava. Egresso do conto, o escritor precisou lutar contra a tentação da história curta, da trama que descrevia um arco curto e se esgotava. E precisava saber também como contar o fiapo de trama que tinha em sua cabeça.
– A gente se acostuma a escrever curto fazendo contos. E o que eu não queria era fazer algo fragmentário, ceder à tentação do inventário, das cenas soltas acumuladas. Eu queria uma costura, um enredo por trás.
Uma série de personagens se cruzam numa narrativa circular na manhã do já descrito atropelamento. Adorno, padeiro doente mas ainda na ativa, acorda depois de um sonho opressivo e de passar mal, discute com a mulher, Onilda, acende o forno e faz seus pães. Sai e é colhido na frente da padaria por um carro dirigido pelo professor de matemática Emanuel. Este, por sua vez, dirigia-se à casa do pai, Fojo, para apanhá-lo e levá-lo a uma consulta médica. Emanuel vinha, perturbado, do apartamento em que dormiu com uma aluna, Lisla – que vem, pelas artes circulares do romance, a ser colega de quarto de Maria do Céu, filha do padeiro atropelado. Cada um deles, e outros personagens colaterais que a trama vai agregando, narra um fragmento da história, numa autêntica polifonia narrativa, quebrada às vezes por um narrador em terceira pessoa, distante, que também tem voz nas transições entre um episódio e outro.
A disposição do enredo condicionou também o estilo do romance. Um dos escritores gaúchos cuja voz autoral, barroca e poética, é mais reconhecível, Altair elaborou uma dicção particular para cada um dos personagens, afastando-se de seu estilo habitual.

Um comentário:

Adrian'dos Delima disse...

Altair Martins nem precisaria escrever... em uma cultura iletrada
ele seria o melhor contador de causos que já vi, pessoalmente falando!
Adriano Poeta